Radiobiologia clínica
II - Radioterapia
Radioterapia
- Objectivo da radioterapia
A Radioterapia (RT) é o uso controlado
de radiações ionizantes para fins terapêuticos,
principalmente de neoplasias malignas. As radiações
dizem-se ionizantes por levarem à formação
de iões nos meios sobre os quais incidem, induzindo modificações
mais ou menos importantes nas moléculas nativas.
As radiações geram nos tecidos
uma cascata de eventos, que se inicia no primeiro milésimo
de segundo da interacção. A ionização
inicial (fase física) é seguida de lesão
imediata de macromoléculas vitais a nível celular,
ou indirectamente pela cisão de moléculas de água,
de que resultam radicais livres de oxigénio, altamente
reactivos a nível molecular (fase físico-química).
Após alguns minutos a lesão bioquimica sobre as
moléculas de DNA e RNA é potencialmente letal.
A sobrevivência de cada célula
atingida vai depender da sua capacidade para reparar o dano motivado
pela radiação, modulando os efeitos biológicos
observáveis desde algumas horas ou dias após a
exposição, até meses ou anos após
conclusão da Radioterapia.
A causa mais frequente de morte celular induzida
pelas radiações é a devida à incapacidade
de corrigir as lesões na cadeia de DNA e manifesta-se
quando a célula tenta dividir-se. Assim uma célula
em G0 não é susceptível de evidenciar estas
lesões. É o caso de tecidos como o osso, cujas
células mantêm funções vegetativas
durante largos periodos, sem se dividirem.
- Radiossensibilidade
e radiocurabilidade
Os termos radiosensibilidade e radiocurabilidade
podem ser difíceis de integrar, tal o número de
variáveis considerado. Na prática é possível
estabelecer uma escala de sensibilidades para os tumores malignos
mais frequentes. Os tumores hemolinfáticos, leucemias
e linfomas, são tipicamente os mais sensíveis,
sendo frequentemente controlados com doses da ordem dos 4000cGy
em 4 semanas, o mesmo acontecendo com neoplasias da série
germinal. No extremo oposto encontramos os melanomas, que evidenciam
uma excepcional resistência à RT convencional. A
meio da escala encontram-se os tumores sólidos, que entre
sí exibem sensibilidades diversas, fazendo juz a alguns
dos factores determinantes da sensibilidade e curabilidade, atrás
enumerados.
A possibilidade real de controlar um tumor
com radioterapia, ou radiocurabilidade, depende de factores que
vão desde a sensibilidade intrinseca do tumor e do seu
volume , até ao estado geral do doente, que faz variar
a capacidade de recuperação dos tecidos normais.
A extensão tumoral a tecidos como o osso ou a cartilagem
determinam alterações na perfusão levando
à hipóxia relativa, factor de resistência.
A localização tumoral nas imediações
de estruturas vitais com baixa tolerância às radiações
impede a administração de doses tumoricidas.
A investigação laboratorial
em culturas de tecidos permitiu determinar a existência
de zonas mais sensíveis no ciclo celular. Esta observação
sugere que o emprego de medidas que façam as células
entrar em ciclo ou as forcem a permanecer nas fases mais sensíveis
do mesmo, tende a promover a sensibilização às
radiações, o que pode explicar os resultados obtidos
com radioquimioterapia. Teoricamente nenhuma célula ou
tecido é imune à acção das radiações
ionizantes, apenas podendo variar a dose necessária. Na
prática há um limite à quantidade de radiação
possível de administrar, imposto pelos tecidos sãos
do hospedeiro.
Alguns tumores são intrinsecamente
muito sensíveis às radiações, pelo
que a dose a administrar fica bem abaixo da tolerância
dos tecidos adjacentes, sendo fácil o seu controlo com
radioterapia. Outros apresentam tal capacidade de resistência
que para os aniquilar seria posta em causa a integridade de todo
o organismo, tal a dose necessária.
A radiosensibilidade relativa de cada tumor
está relaccionada com características específicas
das suas células, que ditam a sua capacidade para reparar
as lesões no genoma, induzida pelas radiações.
Em RT externa a dose total é administrada
em pequenas fracções diárias, durante um
periodo de várias semanas. Esta prática surgiu
da observação de que assim se obtinha uma boa taxa
de curas com efeitos secundários pouco significativos.
A administração de pequenas fracções
separadas de um mínimo de seis horas, permite a recuperação
dos tecidos sãos sem comprometer o controlo tumoral.
Em radiobiologia, são descritas as
quatro ocorrências fundamentais, permitidas pelo fraccionamento,
designadas abreviadamente como os 4 R's: recuperação
do dano sub-letal, para o qual as células normais são
mais eficazes; repopulação por células
normais dos espaços deixados pelas que são aniquiladas;
recrutamento de clones celulares tumorais para fases mais
sensíveis do ciclo celular; e reoxigenação
das zonas tumorais hipóxicas, à medida que o volume
do tumor é reduzido.
Há factores moduláveis, externos,
nos quais podemos interferir com vista a aumentar o índice
terapêutico. A intervenção no ciclo celular
e o emprego de fármacos moduladores da fase físico-química,
alterando a quantidade de radicais livres formados, são
medidas possíveis.
Sabe-se há muito que uma boa oxigenação
é fundamental, sendo a hipóxia local um importante
factor de resistência tumoral.
- Novas modalidades de
radioterapia
Diferentes tipos de radiação,
capazes de produzir maior número de ionizações
ao longo do seu trajecto (maior transferência linear de
energia/LET - linear energy transfer), são igualmente
mais eficazes (neutrões, mesões pi, partículas
alfa).
- Novas técnicas
de tratamento
O emprego de técnicas que possibilitem
a redução do volume de tratamento ou exclusão
dos órgãos ou tecidos de tolerância (braquiterapia,
radioterapia intraoperatória, intensidade modulada, protões),
permite aumentar a dose administrada ao volume alvo levando,
em princípio, ao aumento da probabilidade de controlo
tumoral.
O emprego de hipertermia tem a vantagem de
ser mais eficaz sobre as células menos oxigenadas, tendo
uma acção complementar à da radioterapia.
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